Ao ler a sentença da pena de Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz, a juíza Lúcia Glioche, do 4º Tribunal do Júri do Rio de Janeiro, reconheceu que o sistema judiciário brasílio é lento, mas que quem comete crimes no país em qualquer momento vai ser punido.
“A Justiça por vezes é lenta, é cega, é burra, é injusta, é errada, é torta, mas ela chega. A Justiça chega mesmo para aqueles que, uma vez que os acusados, acham que nunca vão ser atingidos pela Justiça. Com toda dificuldade de ser interpretada e vivida pelas vítimas, a Justiça chega aos culpados e tira deles o muito mais importante depois da vida, que é a liberdade.”
Ela destacou as dificuldades de se investigar um violação e falou ainda sobre os anos de sofrimento pelo qual as famílias de Marielle Franco e de Anderson Gomes passaram em procura de respostas para o violação.
No início da noite de hoje, os assassinos confessos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, os ex-policiais militares Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz foram condenados. Ronnie Lessa foi sentenciado a 78 anos, 9 meses e 30 dias. Élcio, a 59 anos, 8 meses e 10 dias.
Veja a íntegra da sentença:
“O júri é uma democracia. Democracia esta que Marielle Franco defendia.
Cá prevalece a vontade do povo em maioria. Aqueles que atuam uma vez que os jurados zero recebem; prestam um serviço voluntário, gratuito, representando a vontade do povo no ato de julgar o semelhante, que é denunciado de ter praticado um violação tão grave que é querer tirar a vida da outra pessoa.
Portanto, senhores jurados, obrigada em nome do Poder Judiciário. Obrigada em nome da população da cidade do Rio de Janeiro.
A sentença que será lida, agora, talvez não traga aquilo que se espera da Justiça. Talvez justiça que tanto se falou cá fosse que o dia de hoje nunca tivesse ocorrido. Talvez justiça fosse Marielle e Anderson presentes. Uma vez que se justiça tivesse o dom de trazer o morto de volta.
Portanto dizemos que vítimas do violação de homicídio são aqueles que ficam vivos, precisando sobreviver no esgoto que é o vazio de permanecer vivo sem a vida daquele que foi arrancado do seu cotidiano.
A sentença não serve para tranquilizar as vítimas, que são Marinete, mãe de Marielle; Anielle, mana de Marielle; Mônica, esposa de Marielle; Luyara, filha de Marielle; Ágatha, esposa de Anderson, e Arthur, rebento de Anderson.
Homicídio é um violação traumatizante — finca no peito uma dor que sangra todo dia, uns dias mais, uns dias menos, mas todos os dias.
A pessoa que é assassinada deixa uma falta, uma carência, um vácuo. Que vocábulo nenhuma descreve. Toda a minha solidariedade e do Poder Judiciário às vítimas.
A sentença que será dada agora talvez também não responda à pergunta que ecoou pelas ruas da cidade do Rio de Janeiro, do Brasil e do mundo: Quem matou Marielle e Anderson?
Talvez ela não responda aos questionamentos dos 46.502 eleitores cariocas que fizeram de Marielle Franco a 5ª vereadora mais votada na cidade do Rio de Janeiro nas eleições municipais de 2016 — e que tiveram seu recta de representação ceifado no dia 14 de março de 2018.
Todavia, a sentença que será lida agora se dirige aos acusados cá presentes. E mais: ela se dirige aos vários Ronnies e vários Élcios que existem na cidade do Rio de Janeiro — livres por aí.
Eu digo sempre que nesses 31 anos que eu sirvo ao sistema de Justiça, nenhum de nós do povo nunca saberá o que se passou no dia de um violação. Quem não estava na cena do violação, não participou dele, nunca sabe o que aconteceu.
Mesmo assim, o Poder Judiciário e hoje os jurados precisam julgar o violação com as provas que o processo apresenta, e trazer às provas para o processo, para os jurados é difícil.
Porém, com todas as dificuldades e todas as mazelas de investigar um violação, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro denunciou os acusados. Eles foram processados e tiveram guardado o seu recta de resguardo — e foram julgados.
Por anos exercendo a plenitude do recta constitucional de autodefesa, os acusados juraram inocência, pondo a todo o tempo em incerteza a prova trazida contra eles. Até que um dia, no ano pretérito, 2023, por motivos que de verdade a gente nunca vai saber, o denunciado Élcio fez a colaboração premiada. Depois o denunciado Ronnie a fez também.
Os acusados confessaram a realização e a participação no assassínio da vereadora Marielle Franco.
Por isso, fica cá para os acusados presentes e serve para os vários Ronnies e vários Élcios que existem por aí, soltos, a seguinte mensagem:
A Justiça por vezes é lenta, é cega, é burra, é injusta, é errada, é torta, mas ela chega.
A Justiça chega mesmo para aqueles que, uma vez que os acusados, acham que nunca vão ser atingidos pela Justiça. Com toda dificuldade de ser interpretada e vivida pelas vítimas, a Justiça chega aos culpados e tira deles o muito mais importante depois da vida, que é a liberdade.
A Justiça chegou para os senhores Ronnie Lessa e Elcio de Queiroz. Os senhores foram condenados pelos jurados do 4º tribunal do júri da capital:
a 78 anos e 9 meses de reclusão e 30 dias-multa para o denunciado Ronnie;
a 59 anos de prisão e 8 meses de reclusão e 10 dias-multa para o denunciado Élcio.
Saem os 2 condenados a remunerar até os 24 anos do rebento de Anderson, Arthur, uma pensão.
Ficam os 2 condenados a remunerar, juntos, R$ 706 milénio de indenização por dano moral para cada uma das vítimas — Arthur, Ághata, Luyara, Mônica e Marinete.
Condeno os acusados a pagarem as custas do processo e mantenho a prisão preventiva deles, negando o recta de recorrer em liberdade.
Agradeço as partes, a Defensoria Pública, às defesas dos 2 acusados. Agradeço aos serventuários da Justiça, aos policiais militares. Renovo o congratulação aos jurados.
Encerro a sessão de julgamento e quebro a incomunicabilidade.
Tenham todos uma boa noite”.