O processo de transição entre gestões no Poder Executivo em seguida eleições ainda é pouco estruturado no país, sendo marcado pela falta de um padrão simples e de uma sequência de ritos e protocolos capaz de tornar a adaptação das novas administrações mais célere e eficiente. Um seminário, promovido em parceria entre a Instalação Getulio Vargas (FGV) e o Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa) discutiu a transição especificamente em governos municipais e buscou integrar a perspectiva de estudos sobre o tema com a de gestores públicos.
O evento contou com a apresentação do Manual de Transição Municipal, lançado no último dia 10 pelo Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO). A publicação procura orientar prefeitos que iniciarão suas gestões sobre os principais elementos para prometer “a perpetuidade de serviços básicos, além de fortalecer o tino de responsabilidade com a governo pública e maior racionalidade na tomada de decisão, tornando mais eficiente os resultados da atuação dos agentes públicos”, segundo nota do MPO. Na ocasião, o representante da pasta informou que haverá a compilação de versões exclusivas sobre saúde e instrução, já nos planos do ministério.
O encontro foi idealizado durante o primeiro semestre deste ano, segundo Luís Paulo Bresciani, professor e vice-coordenador do Programa de Mestrado Profissional em Gestão e Políticas Públicas da Escola de Gestão Pública da FGV, em razão da urgência de melhorar esse momento da gestão das cidades. Geralmente, são poucos os municípios com legislação voltada para essas mudanças ou com protocolos claros de transição. Bresciani considera que nascente seja um tema muito estruturado no contexto federalista, desde a transição entre as gestões de Fernando Henrique Cardoso e de Lula, em 2002, e ocorre em alguns estados uma vez que Pernambuco, mas na maior secção dos municípios não há nem institucionalização nem estruturação.
Além de ser um processo recente em nossas instituições ele é localizado, ocorrendo a cada quatro anos para as municipalidades, o que dificulta inclusive a produção de conhecimento acadêmico, mas é muito importante, inclusive em reeleições ou na perpetuidade de um grupo político, quando algumas recomposições podem modificar figuras-chave no primeiro escalão do Executivo, com impacto sobre a perpetuidade de políticas públicas, seja para sua extinção ou para renovação. “De todo modo, alguma mudança há em termos de constituição do primeiro escalão, das principais bandeiras, e isso influencia processos importantes uma vez que a construção do projecto plurianual, que o prefeito terá de encaminhar logo no primeiro ano. Também é importante para prometer a perpetuidade de serviços básicos, uma vez que saúde, assistência social, instrução, coleta de lixo, provimento, transporte coletivo, provimento de chuva, etc, que têm de continuar logo em seguida a viradela do ano”, destaca Bresciani.
Inferior seguem alguns trechos da entrevista do professor à Filial Brasil:
Filial Brasil: nos casos de transição com ruptura ou mudança de comando, o que deve ser o primeiro item de atenção para quem irá debutar a gerir a cidade?
Luís Paulo Bresciani: os serviços básicos, principalmente os ligados ao saneamento essencial. Embora muitos municípios tenham esse serviço por meio de convênios é importante que o gestor se aproprie desse processo, pois ele é o responsável por isso, principalmente em relação à coleta de lixo, que é atribuição municipal.
Também outros serviços, uma vez que a fenda do próximo ano letivo, a perpetuidade das unidades de saúde e assistência social, além da conservação de parques e áreas verdes. Todos esses são serviços não exclusivamente visíveis mas também sensíveis pela população. Em segundo lugar, entender a constituição das equipes, quem são os técnicos-chave e onde deve ter recomposição na novidade gestão. Em seguida, tomar conhecimento de convênios e parcerias, uma vez que consórcios intermunicipais e convênios com estados e o governo federalista. Esses são os pontos críticos. Quando não é ruptura, e acredito que ai a gente já adianta a próxima pergunta, você já sabe o que é o governo, já conhece a máquina, seus pontos críticos e positivos e já tem em mente o que quer mudar. É uma situação em que a possibilidade de ter surpresas é menor, na qual é fundamental entender quais as novas políticas e programas de um governo que foi reeleito e vai continuar algumas políticas, mas que precisa também inovar. Para esses governos é importante entender a consistência de novas políticas e estabelecer seus frutos com rapidez, inclusive quando novas alianças políticas determinarem recomposições, que precisam ser muito delineadas. Aí há o risco de ter uma perda de efetividade em relação às políticas em curso.
Filial Brasil: e qual a valia de uma boa relação dos prefeitos com os órgãos de controle nesse processo?
Bresciani: ela é muito importante. Além da relação com os tribunais de contas, das informações disponíveis tanto nos tribunais de Contas dos estados quanto da União, assim uma vez que aquelas informações que estão disponíveis nos portais de Transparência, onde há muitas informações não gerenciáveis, que precisam ser entendidas pelos novos gestores, existe todo um processo de passagem dessas informações, que são complexas e necessitam da participação das controladorias municipais e de outros órgãos de controle dos municípios para que sejam eficientes. Essa participação e a troca de informações substantivas é fundamental para as equipes que vão assumir.
Filial Brasil: e esse processo podemos proferir que já está maduro no país?
Bresciani: em universal, os processos de transição são bastante restritos. Muro de 18% dos municípios têm já uma prática de transição mais estruturada, mas esse ainda é um processo muito pontual e esporádico, uma vez que foi dito em algumas mesas do seminário. Não existem processos muito estruturados de transição municipal, via de regra, e ela sempre é dependente de um pacto entre os prefeitos que saem e os que entram. Ocorre que, muitas vezes, não é generalidade que esses prefeitos, tanto os que deixam o incumbência quanto os que assumem, não tenham disposição para um processo pactuado de transição, com troca de informação, informação livre e uma percentagem responsável por isso. Podemos ter, por exemplo, uma transição boa agora, em 2024, em algumas cidades, mas isso não ter ocorrido em 2020 ou não ocorrer novamente em 2028, pois depende desses dois atores na maioria das cidades do país. Isso [a construção desses processos] é importante para fabricar uma cultura de transição ao longo dos próximos anos e alternâncias.
Filial Brasil: uma vez que isso vai de encontro com a discussão sobre extinção da reeleição, que está sendo retomada?
Bresciani: não discutimos muito essa questão ainda, e particularmente sou contrário, mas independentemente disso, da manutenção ou não dessa possibilidade, você terá ainda, em universal, candidatos da perpetuidade e continua tendo dois processos. Um quase procedente, que mesmo assim precisa ser pactuado, com regras, e outro com ruptura, onde normalmente a gente tem transições tumultuadas, onde o novo governante chega e, por exemplo, alguns sistemas são apagados. É uma narrativa que aparece com frequência, é menos frequente do que aparenta ser, mas não temos uma mensuração. Para evitar isso é preciso ter um processo estruturado, protocolado e que inclua os órgãos de controle e transição. Isso também é, ou deveria ser, de interesse dos prefeitos, pela responsabilidade em torno daquilo que der inexacto.
Filial Brasil: em relação a esse interesse por secção dos prefeitos, podemos proferir que temos um sistema já naturalizado?
Bresciani: temos um processo bastante estabelecido de controle e responsabilização. Simples que pode ter falhas nesse processo, mas, em universal, temos processos muito estruturados de gestão, validação e controle. Pode ter, em alguns momentos, também alguns excessos, quando [a burocracia] leva a um processo disfuncional, mas podemos proferir que temos uma estruturação bastante razoável dos órgãos de controle. Agora, do ponto de vista dos novos prefeitos é importante que conheçam, tenham nitidez, não exclusivamente dos papéis, mas também de qual a relação dos órgãos de controle com seu município, até para esclarecer questões, pois alguns tribunais de contas têm uma prática de diálogo e orientação, além das de controle e apontamento.
Filial Brasil: essa cultura de controle é uniforme no país hoje?
Bresciani: creio que não. Simples que a gente tem históricos institucionais diferentes nos estados hoje, pois a relação é com os órgãos estaduais e há especificidades.
Filial Brasil: e quando esses processos devem debutar?
Bresciani: eles podem surgir não uma vez que uma lei, de cima para ordinário, mas dos próprios interessados em assumir o governo municipal, ou seja, os governantes que tomam posse no dia 1º de janeiro, que já podiam pensar em uma vez que esses processos iniciam com um estampa mais simples, em cada município, antes mesmo de o pleito ser finalizado. É importante também que se conheça melhor as boas práticas já estabelecidas. Esse alcance institucional maior é mais viável, assim uma vez que sua regulação, nas grandes cidades. Também é importante que esse processo seja sabido, estruturado e orientado da forma republicana, uma vez que deveria ser.
Filial Brasil: esse processo é mais simples para os grandes municípios, pelas suas estruturas mais complexas, do que para os pequenos, mesmo que tenham também uma gestão mais simples?
Bresciani: em tese sim, pois eles têm boas máquinas, bons quadros técnicos e boa estruturação. Isso em função de capacidades institucionais que esses municípios maiores já têm e podem colocar à disposição desses projetos. Agora, em pequenos municípios, zero impede que sejam também virtuosos nessa questão, e aí entra a capacitação dos municípios, dos gestores e principalmente dos servidores de curso, que irão permanecer de um governo para o outro e são importantes nesse processo. Nesse momento [do ano] em que chegamos, em seguida a eleição, temos por exemplo a participação de partidos que estão fazendo a formação desses novos gestores. Universidades e associações municipalistas também poderiam participar desses processos. Se a gente quer fazer uma boa transição para 2028 temos de preparar as equipes com boa antecedência. Hoje, municípios grandes e estados têm condições mais favoráveis para esses processos. Agora, ele não é um bom processo por si mesmo, tem por finalidade fazer com que o gestor que assuma faça um bom processo, atendendo e correspondendo às demandas da população.
Filial Brasil: no seminário foram apresentados alguns elementos de espeque para esses gestores. Quando eles começam a ter impacto? Podem ser pensados já em tempo de candidatura, uma vez que na construção do projecto de governo?
Bresciani: dentro da questão da capacitação, e voltado aos manuais, cartilhas e guias de capacitação, tivemos a silabário do ministério (do Planejamento e Orçamento) de transição para governos municipais. Hoje, a professora Maria do Carmo Meirelles, da Unicid [Universidade Cidade de São Paulo], e o professor Fernando Coelho, da USP, mostraram suas pesquisas e o material que produziram em 2020 [para apoio a pequenos e médios municípios paulistas] sobre o tema. A existência de materiais desse tipo é importante pois permite que equipes, candidaturas e eventuais equipes já se informem com grande antecedência, inclusive apoiando a construção de programas de governo a partir de um estudo mais fino da situação existente. Pode ter, sim, papel na construção de programas mais robustos e qualificados, mas estamos olhando principalmente para o papel desses instrumentos nas transições.