A Tertúlia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) aprovou na terça-feira (5), em segunda discussão, o tombamento por interesse histórico do Parque Industrial da Companhia Usina Cambahyba, em Campos dos Goytacazes, Setentrião Fluminense. Agora, o governador Cláudio Castro tem até 15 dias úteis para sancionar ou vetar a medida.
O objetivo principal do tombamento é proteger o sítio de modificações que possam comprometer a integridade histórica. O projeto de lei permite só intervenções que estejam em conformidade com princípios de preservação e que promovam a geração de um espaço cultural, e impede qualquer devastação ou descaracterização da superfície.
O sítio ficou mais sabido do público depois do depoimento do ex-delegado Cláudio Guerra à Comissão Nacional da Verdade, quando admitiu ter incinerado, na usina, os corpos de 12 desaparecidos políticos.
As vítimas foram: Ana Rosa Kucinski Silva, Armando Teixeira Frutuoso, David Capistrano da Costa, Eduardo Collier Fruto, Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira, João Batista Rita, João Massena Melo, Joaquim Pires Cerveira, José Roman, Luís Inácio Maranhão Fruto, Thomaz Antônio da Silva Meirelles Neto e Wilson Silva.
O Multíplice Cambahyba, formado por sete fazendas, também esteve no meio de disputas sociais mais recentes. Desde 1998, a superfície foi considerada improdutiva e objectivo de reivindicações do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terreno (MST). Em 2021, a Justiça Federalista decretou a desapropriação de uma das fazendas para fins de reforma agrária, dando origem ao Acampamento Cícero Guedes, hoje habitado por 300 famílias.
“Com a confirmação desse tombamento, temos a premência de conjugar as duas histórias [da ditadura e do MST], porque o espaço é muito emblemático da violência do Estado no Brasil. Ela não começa em 1974 e ela não termina em 1985, nem em 1988. Ela atinge principalmente setores mais subalternizados da sociedade. Isso até hoje, quando a gente fala de trabalhadores do campo, da cidade, da população negra, dos moradores de favelas, da população de LGBT+”, diz o historiador Lucas Pedretti.
“Que o pretérito desse sítio onde ocorreram graves violações de direitos humanos seja demarcado e essa história possa ser transmitida para as novas gerações”.
Memória x esquecimento
Tradicionalmente, o país é carente de políticas de memória sobre a ditadura militar, principalmente quando se fala de museus ou memoriais. No próprio estado do Rio, onde está a Usina Cambahyba, um conjunto de iniciativas passa por disputas sociais há anos.
Um exemplo é a Moradia da Morte, em Petrópolis, na Região Serrana, sítio sabido por ter confortado centros clandestinos de tortura e homicídio. No segundo semestre desse ano, foi anunciado que o governo federalista fechou uma parceria com a prefeitura para transformar a residência em um memorial sobre a ditadura militar.
Outro caso é o do prédio que pertenceu ao Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), no meio da capital fluminense, e que está há anos em disputa entre a Polícia Social e movimentos sociais. Enquanto a polícia quer erigir um museu sobre a própria história, grupos porquê o Coletivo RJ Memória Verdade Justiça e Reparação desejam que o prédio vire um meio de memória e de direitos humanos.
Em outubro desse ano, o Recomendação Pátrio de Direitos Humanos (CNDH) anunciou estar preparando recomendação para que o 1º Batalhão de Polícia do Tropa no Rio de Janeiro, onde funcionou o Destacamento de Operações de Informações – Meio de Operações de Resguardo Interna (DOI-Codi), seja transformado em um memorial. O DOI-Codi era um órgão de perceptibilidade e repressão do governo militar.
Um dos poucos exemplos bem-sucedidos no estado é o do Museu do Trabalho e dos Direitos Humanos, inaugurado em maio desse ano no município de Barra Mansa, no mesmo sítio onde funcionou o 1° Batalhão de Infantaria Blindada do Tropa. Lá, foi instalado um meio de tortura contra opositores do regime militar. O museu é organizado pelo Meio de Memória do Sul Fluminense Genival Luiz da Silva (CEMESF), da Universidade Federalista Fluminense (UFF).
“Os defensores do esquecimento foram historicamente muito competentes no Brasil em prometer o silêncio sobre esse pretérito. É o soberania da teoria de que são passados que não devem ser mexidos, devem ser esquecidos. Deixados de lado em nome da reconciliação e da pacificação. E podemos ver isso porquê alguma coisa mais vasto: sociedade e país que têm dificuldades em mourejar com passados traumáticos. Até pouco tempo detrás, por exemplo, não havia nenhuma iniciativa no Rio de Janeiro sobre a escravidão”, diz Lucas Pedretti.
“A gente precisa cada vez menos pensar em vítimas compartimentadas, as da ditadura, dos comunistas, das vítimas da violência no campo, etc. Todos eles são grupos vitimados por uma mesma lógica de violência de Estado que tem porquê o último objetivo a manutenção de uma ordem social desigual, hierárquica e patriarcal”, complementa o historiador.