Desafios em plataformas de ‘rede de ódio’ levaram à morte de 50 menores, diz polícia do RJ
Delegados responsáveis pelas investigações explicaram o modo de atuação da quadrilha que foi alvo da operação. 2 adultos foram presos e sete menores de idade foram apreendidos.
Operação mira rede de crimes de ódio praticados contra menores
Nos últimos anos, 50 menores de idade, entre crianças e adolescentes, morreram depois de serem induzidas a cometer crimes em plataformas na internet, segundo a Polícia Civil do Rio.
Nesta terça-feira, a operação Adolescência Segura, realizada em 7 estados contra crimes de ódio cometidos contra crianças e adolescentes em diversas plataformas, terminou com 2 adultos presos e 7 adolescentes apreendidos.
“Nos últimos dois anos, cerca de 50 crianças e adolescentes morreram em decorrência dessas plataformas, onde são passados desafios para que esses adolescentes e essas crianças participem. São crimes de ódio, indução à prática de suicídio, racismo, intolerância religiosa”, afirmou o secretário de Polícia Civil, Felipe Curi.
O delegado Cristiano Maia, da Delegacia da Criança e Adolescente Vítima (Dcav), responsável pela investigação, afirmou que os desafios são conduzidos pelos chefes dos servidores. Nas comunidades virtuais, esses chefes são chamados de “oradores”.
“Muitas vezes, não são só desafios: eles conseguem fotos íntimas e a partir disso fazem chantagem para que essa criança ou adolescente para que cometa algum mau trato, qualquer coisa que possa lhe prejudicar. Eles divulgam e compartilham pornográfico de conteúdo infantil e conteúdo de apologia ao nazismo, além de conteúdo de ódio em geral”, afirmou o delegado.
Cristiano Maia aproveitou para ressaltar que a polícia conseguiu identificar e prender os principais chefes da organização criminosa.
“Eles se denominam por nicknames, e a partir dali eles buscam o anonimato. Eles se julgam invisíveis a partir disso, e acham que vão agir impunemente. A gente está provando que isso não ocorre, através de ferramentas altamente modernas”, pontuou.
O subsecretário de Planejamento e Integração Operacional, Carlos Oliveira, afirmou que é necessário ficar atento ao que é consumido por menores de idade na internet, e alertou sobre as quadrilhas que atuam em diversas plataformas:
“São criminosos que não arrombam porta, não pulam muro, entram sorrateiramente “na mente das crianças”, como eles falam. É uma modalidade de crime relativamente nova, com potencial muito grande para fazer estrago nos lares, inclusive com alta taxa de letalidade”, afirmou.
CRIMES INVESTIGADOS
A ação foi realizada para desarticular uma das maiores organizações criminosas do país voltadas à prática de crimes cibernéticos contra crianças e adolescentes.
Agentes da Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima (Dcav-RJ), com o apoio do CyberLab da Secretaria Nacional de Segurança, do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), saíram para cumprir 2 mandados de prisão temporária, 20 mandados de busca e apreensão e 7 de internação provisória de adolescentes infratores em Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo.
A rede criminosa é responsável por diversos crimes graves no ambiente virtual, entre eles:
Tentativa de homicídio
Induzimento e instigação ao suicídio
Incentivo à automutilação
Armazenamento e divulgação de pornografia infantil
Maus-tratos a animais
Apologia ao nazismo
A investigação revelou que o grupo se organizava virtualmente, por meio de plataformas criptografadas como Discord e Telegram, onde promoviam desafios e competições, sempre de crimes de ódio.
ATAQUE A SEM-TETO
‘Só escutei o barulho e senti todo o meu corpo queimando’, lembra homem em situação de rua
As investigações iniciaram em 18 de fevereiro de 2025, quando um morador em situação de rua foi atacado e teve 70% do seu corpo queimado por um adolescente que atirou 2 coquetéis molotov em sua direção.
Em paralelo, Miguel Felipe, maior de idade, filmava e transmitia o evento em tempo real para cerca de 220 integrantes na plataforma Discord. Miguel Felipe foi preso, e o adolescente foi apreendido e internado provisoriamente pela Dcav.
‘Só escutei o barulho e senti meu corpo queimando’, diz vítima
NÃO FOI FATO ISOLADO
Policiais da Dcav descobriram que o ataque não foi um fato isolado. “Os administradores do servidor utilizado no crime refletiam uma verdadeira organização criminosa altamente especializada em diversos crimes cibernéticos, tendo como principais alvos crianças e adolescentes”, explicou a polícia.
“A atuação da quadrilha é tão significativa no cenário virtual que mereceu a atenção de agências independentes dos EUA, a HSI e NCMEC, que emitiram relatórios sobre os fatos, contribuindo com o trabalho dos policiais civis envolvidos no caso.”
A Dcav também descobriu que o bando se espalhava por diferentes plataformas digitais e utilizava mecanismos de manipulação psicológica e aliciamento de vítimas em idade escolar, “em um cenário de extremo risco à integridade física e mental de crianças e adolescentes”.
“Como estímulo, eram oferecidas recompensas internas para aqueles que se destacassem nas atividades criminosas”, informou o MJSP.
Os alvos da investigação serão responsabilizados por diversos crimes, incluindo associação criminosa (art. 288 do Código Penal), indução ou instigação à automutilação (art. 122, §4º do Código Penal) e maus-tratos a animais (art. 32 da Lei 9.605/98). As penas podem ultrapassar 10 anos de reclusão.
1 de 1 Material apreendido na Operação Adolescência Segura — Foto: Reprodução/TV Globo
Material apreendido na Operação Adolescência Segura — Foto: Reprodução/TV Globo