“A gente tinha uma cultura maior de observar televisão, tinha os programas infantis, que tinham os desenhos animados, e os intervalos eram um tempo grande e tinha bastante publicidade. Me lembro de ter pregão de bonecas e brinquedos, e mesmo nos programas infantis havia também essa publicidade de alguns brinquedos, né, de forma muito intensa. Ainda lembro de alguns jingles, Lá lé lí ló Lu Patinadora, Big Trem, Danoninho dá”.
“O menininho do cigarro, que tinha um chocolate em forma de cigarro, do compre Batom, que era tipo de hipnotizar a muchacho. Parmalat, que era a propaganda com as criancinhas vestidas de bichinhos, eu quero uma Calói. E daqueles joguinhos, cara-a-cara, dos brinquedos do Gugu, do Domingo Lítico, dos jogos que ele fazia. Lembro de Comandos em Ação, era muito propaganda de brinquedo. E de provisões processados, Danoninho, Tang”.
Em seguida 10 anos da Resolução 163 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), essas cenas descritas pela antropóloga Renata de Sá Gonçalves, 47 anos, e pelo professor universitário Thiago Silva Freitas Oliveira, 42 anos, não são mais vistas na televisão. Crianças nos anos 1980 e primórdio dos 1990, os dois cresceram em uma idade em que era muito generalidade o que ficou espargido porquê publicidade infantil abusiva, com os anúncios que se proliferavam principalmente em outubro, mês das crianças, e em dezembro, antes do Natal.
A norma, que completou uma dezena em março deste ano, “dispõe sobre a abusividade do direcionamento de publicidade e de informação mercadológica à muchacho e ao juvenil” e, na prática, retirou as propagandas dirigidas ao público infantil dos meios de informação tradicionais.
As crianças que nasceram com a Solução 163 em vigor sabem o que são os comerciais, mas têm uma presente dissemelhante de seus pais, porquê Rosa, de 10 anos, filha de Renata.
“É assim, quando eu tô vendo uma coisa na TV e aí aparece uma propaganda. É tipo, se você trabalha em uma farmácia e quer mostrar um remédio pras pessoas, aí você coloca pras pessoas saberem e tal, eu acho”.
Théo, 10 anos, fruto de Thiago, vê anúncios nos jogos de celular e nos canais de imagem entusiasmado.
“Propaganda é o negócio liso que aparece na hora que você está jogando no celular. Tem propaganda de compra e de outros jogos. Na televisão, eu vejo Nickelodeon, Disney e Netflix, não tem propaganda de jogo, mas tem tipo de farmácia, shopping, essas coisas”.
Questão moral
O professor de informação da Universidade Federalista Fluminense (UFF), Adilson Cabral, que ministra a disciplina de moral e legislação publicitária, explica que o tema estava em discussão na sociedade no início da dezena passada. Entre as instituições que fizeram campanhas pelo término da publicidade abusiva dirigida para crianças estão o Instituto Alana, o Conselho Federal de Psicologia e o Plenarinho, programa educativo da Câmara dos Deputados.
“O que está por trás da solução é justamente não compreender a muchacho porquê definidora da compra, né? Logo, é muito sedutor colocar uma muchacho numa publicidade, num filme publicitário, falando, pleno de força e tal, para que os pais se mobilizem e fiquem sensíveis ao apelo da muchacho e também as crianças pressionem, de uma certa forma, os pais, para comprar o que está sendo apresentado no mercantil”, destaca Cabral.
Para a atual presidenta do Conanda, Marina de Pol Poniwa, psicóloga e também conselheira do Recomendação Federalista de Psicologia, a Solução 163 foi motivada pelo contexto social histórico e político daquele momento.
“Imagina que na idade eram intensas propagandas porquê ‘compre Batom, compre Batom, compre Batom’. Esse é um dos exemplos para reportar o quanto se determinava o consumo de determinados produtos, e produtos principalmente para crianças e adolescentes. E com o objetivo mesmo de persuadi-las para que consumissem determinadas coisas”.
Poniwa destaca que as propagandas abusivas podiam gerar problemas sociais e de saúde nas crianças e adolescentes, porquê impaciência, frustração, violência e obesidade infantil, pelo incentivo ao consumo de provisões ultraprocessados e super calóricos.
“Com toda certeza, esses processos, além de enganosos, também são danosos e colocam crianças e adolescentes em situação de desproteção social, por também enganá-las e elas terem dificuldade de se orientar a partir do que é o melhor ou não para elas, já que elas não têm uma autonomia plena sobre os processos de decisão”.
Caminhos da Reportagem | Publicidade Infantil
A indústria dos brinquedos admitia que a teoria da publicidade infantil era justamente seduzir a muchacho para que ela fosse a definidora da compra. Em um incidente do Caminhos da Reportagem de 2011 (vídeo supra) , programa da TV Brasil, o presidente da Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq), Synésio Batista, afirma que o mira das propagandas do setor era o público infantil.
“A muchacho é o tipo que mais negocia na família brasileira, é o maior negociante na família brasileira. Nós temos cá nesse país 57 milhões de crianças no nosso target de até 12 anos. Vinte milhões de crianças, eu não consigo vender zero. Mas 30 milhões de crianças decidem o que querem. Nós não fazemos propaganda para o pai e para a mãe, porque não é ele que resolve. É a muchacho que diz, eu quero isto”.
A reportagem procurou a Abrinq, que não pôde gravar entrevista, mas se manifestou por meio da assessoria de prensa. Em nota, informou que “a posição da Abrinq é respeitar o que foi determinado e zelar pelas crianças”.
O presidente do Recomendação da Associação Brasileira de Licenciamento de Marcas e Personagens – Licensing International (Abral), Rodrigo Paiva, disse que a associação não foi convidada a participar das discussões em 2014, que levaram ao término da publicidade dirigida para as crianças, e foi surpreendida com a norma.
“A Abral é totalmente contra qualquer tipo de propaganda enganosa e abusiva. O que nós não concordamos na Solução 163 é a tentativa de tipificar a mera presença de excesso de cores, trilha sonora infantil, a simples presença de crianças, personalidades reconhecidas pelo universo infantil e a própria presença de personagens porquê um ato de abusividade”.
De convenção com ele, o setor tem suas próprias regulamentações para coibir a abusividade nos comerciais.
“O próprio mercado, seguindo as orientações do Código de Autorregulamentação Publicitária, criado na dezena de 1970, já preserva o desvelo de não estimular o consumo excessivo, o comando de compra, verbos no imperativo são proibidos, não vincular o consumo de qualquer resultado a qualquer tipo de superioridade, o saudação aos pais e a clara identificação do teor publicitário”.
Mudanças
A presidente do Conanda, Marina de Pol Poniwa, destaca que a Solução 163 foi um marco histórico e, mesmo sem poder de lei para proibir as propagandas, tem sido usada pelo poder público para coibir a abusividade.
“Todas as resoluções do Conanda são vinculantes, não têm o poder de lei, mas orientam e dão diretrizes para decisões, por exemplo, do Poder Judiciário, para a atuação do Ministério Público e dos defensores públicos. Logo, essa solução é utilizada até hoje nas decisões judiciais ou para orientar mesmo o sistema de garantia de direitos e na proteção das crianças e adolescentes nos territórios reais e nos territórios virtuais”.
Para Renata, o protótipo de televisão também mudou, reduzindo a exposição das crianças aos intervalos comerciais. “A Rosa, por exemplo, já não assiste programa infantil com propaganda, já vai dirigido para os episódios em específico, portanto ela não fica nesse ciclo de, obrigatoriamente, ter que acessar uma publicidade na TV”.
Porém, ela destaca que o mercado de produtos infantis se adaptou aos novos tempos. “Mas eu acho que essa geração é mais assolada por propaganda do que é nossa. Porque tudo no mundo, de alguma forma, tá voltado para isso, né? Você vai ao cinema, tem o copo da pipoca do tema do cinema, aí tem um brinquedinho que vai ser vendido não sei onde, aí o chinelinho vem com o tema do filme. Logo tem um outro volta de publicidade que é tão intenso quanto, talvez até mais, né? Porque é muito mais capilarizado”.
Thiago admite que, influenciado pelas propagandas, sentiu falta de muita coisa na puerícia. “Tem uma diferença hoje que, financeiramente, eu consigo dar mais coisas para os meus filhos, do que na idade do meu pai. Eu acho que de certa maneira, isso gerou qualquer traumatismo em mim, de não ter conseguido muita coisa que eu quis quando era muchacho, mas eu sei que a propaganda tinha muito desse trabalho”.
Atualmente, ele percebe a diferença nos desejos e pedidos infantis. “Chega término de ano, a diferença do meu Natal para o Natal deles, a quantidade de propaganda que tinha, e aí você ficava querendo um, outro, três, quatro, cinco, vários brinquedos ao mesmo tempo. Agora, meus filhos têm uma coisa só que eles pensam que querem, só. Tem essa diferença, realmente. Óbvio que eu estou falando de uma bolha social econômica específica, né?”
O presidente do Recomendação da Abral, Rodrigo Paiva, explica que a entidade trabalha com a conscientização dos associados e divulga cartilhas sobre as melhores práticas de publicidade para o público infantil, inclusive na internet e com a contratação de influenciadores digitais.
“De maneira proativa, capacitamos a conhecerem todas as formas corretas de se conversar com a muchacho de forma responsável. A Abral criou, inclusive, milhares de exemplares de cartilhas, de forma física e do dedo, reforçando as orientações sobre a premência moral e responsável na informação, inclusive no envolvente do dedo. Desenvolvemos, em datas porquê o Dia das Crianças e Natal, campanhas de conscientização com o esteio de mais de 30 entidades do mercado, visando uma informação adequada”.
Para o professor de moral publicitária Adilson Cabral, ainda é preciso prosseguir para fazer do envolvente publicitário um sítio mais ético, não só nos produtos voltados para as crianças.
“O ponto de partida que eu trabalho na disciplina é compreender que existe uma originalidade responsável verosímil para se mourejar com a inevitabilidade da publicidade. Ou seja, em qualquer contexto, considerando que existem produtos diferentes e variados, é necessário ter uma publicidade que estabeleça diferenças em relação ao que é a qualidade, ao que é a particularidade de um em relação ao outro resultado. Logo, a publicidade não deixaria de subsistir, mas ela precisa se assumir numa perspectiva de responsabilidade social que a falta de freio do mercado não vem proporcionando”.
Podcast
Confira na Radioagência Vernáculo o podcast Crianças Sabidas sobre publicidade infantil. De forma lúdica, os conteúdos trazem informações para o público infantil com tratamento jornalístico.