O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) recomendou a interrupção das obras de construção de um túnel, secção do projeto do Multíplice Viário da rua Sena Madureira, uma das principais vias da zona Sul da capital. A iniciativa tem mobilizado ambientalistas, moradores e outros setores da sociedade social contra as obras, que preveem a remoção de duas comunidades de baixa renda que vivem no sítio e a devastação de um galeria virente entre os parques Ibirapuera e da Aclimação.
A recomendação pela paralisação das obras foi expedida nesta quinta-feira (7) pelos promotores da capital Moacir Tonani Júnior, da Habitação e Urbanismo, e Carlos Henrique Prestes Camargo, do Meio Envolvente. Para o Ministério Público, são necessários novos estudos técnicos que dimensionem a mediação, nos campos “socioambientais e urbanísticos”. A rua Sena Madureira tem trânsito intenso, ligando a região da vila Mariana ao Parque Ibirapuera e outras ruas que levam à Marginal Pinheiros.
No despacho obtido pela Sucursal Brasil, o MP também justifica sua posição em relação à obra citando o cimalha valor que seria retirado dos cofres públicos para materializá-la, a remoção “indiscriminada de árvores e no desmatamento de áreas de preservação permanente, afetando o Regato Emboaçu, uma nascente de preço vital para a região” e o risco que representa às aves que habitam as copas das árvores – e, no caso da devastação de ninhos e morte de espécimes, configura-se outro delito ambiental.
Segundo a Secretaria de Mobilidade e Trânsito da capital, a obra “respeita todas as exigências relativas a questões ambientais”. O órgão diz que obteve autorização da Secretaria Municipal do Verdejante e do Meio Envolvente para arrancar 172 árvores da extensão, “sendo preservadas as demais 362 árvores existentes no sítio”.
“A ressarcimento será realizada com plantio de 266 mudas arbóreas dentro do perímetro da obra e somente com espécies nativas. O replantio deverá ser executado até o termo das obras. A Secretaria Municipal do Verdejante e do Meio Envolvente reforça que, em vistoria realizada em 28 de junho de 2024, não foi observada a presença de nascente ou olho d’chuva dentro da extensão de mediação da obra. No sítio foi constatado um ducto de drenagem de águas pluviais no fundo do vale.”
Sobre a recomendação do Ministério Público, a Prefeitura não se posicionou, mas tem repetido em outras notas que possui as licenças para a obra e que, aproximadamente, 800 milénio pessoas serão beneficiadas com a construção do túnel.
A Sucursal Brasil procurou as secretarias de Infraestrutura e Obras e de Habitação, mas não teve resposta até o fechamento desta material.
Manifestações
Desde que iniciou as obras em outubro, a construção do multíplice mobilizou moradores e ativistas. Os manifestantes denunciam os impactos socioambientais da obra, uma vez que o fomento ao uso de veículos motorizados, em detrimento do transporte público e bicicletas, a remoção de duas comunidades de baixa renda que vivem no sítio e a devastação de um galeria virente entre os parques Ibirapuera e da Aclimação.
Nesta quinta-feira (7), participantes dos atos convocaram para uma “vigília ordenado” e uma jovem foi ferida por guardas da Guarda Social Metropolitana (GCM). A cicloativista Renata Falzoni, recém-eleita vereadora (PSB) chegou a ser carregada por guardas municipais do sítio.
Questionada sobre a conduta dos agentes da GCM durante as manifestações, a Secretaria de Segurança Urbana disse, em nota, que a corporação acompanhou a revelação de ontem e que as equipes “orientaram os manifestantes a se afastarem do sítio onde acontecia o incisão de árvores autorizado pela prefeitura”. “Houve resistência e pela manhã uma mulher foi encaminhada pela GCM ao Região Policial, por desacato. A revelação foi controlada e os agentes permanecem no sítio”, adicionou na mensagem.
O coletivo “Salvem a Sena Madureira” compartilha informações sobre o progressão da obra desde o mês pretérito nas redes sociais, mostrando o impacto da construção do túnel no sítio.
Desde o início da preparação do terreno para a fundação do túnel, tratores e trabalhadores da prefeitura arrancam árvores saudáveis antigas. O coletivo aponta ainda a violência contra mais de 200 famílias de baixa renda que vivem no sítio, provenientes das comunidades de Souza Ramos e Luiz Alves, que podem ser obrigadas a deixar suas casas, caso as obras prossigam. Com relação a essas famílias, o MP salientou que “não se sabe ao evidente aonde irão” nem se serão realocadas.
Falta de consulta pública
Integrante do Coletivo Metropolitano de Mobilidade Urbana (Commu), o pesquisador Lucian de Paula acompanha o caso desde 2022, quando apontou irregularidades na obra apresentada pela prefeitura.
“A prefeitura não tinha convidado nenhum membro da comunidade. Agora que as obras começaram, as pessoas ficaram desesperadas, porque elas nunca foram comunicadas de zero. Em 1º de outubro, marcaram uma reunião na subprefeitura, onde o projeto seria apresentado. Ele nunca tinha sido apresentado a ninguém e, quando as pessoas chegaram lá, tinha tanta gente que alegaram que não cabiam no auditório. Cancelaram e resolveram marcar para outro dia”, conta o cicloativista, especializado na extensão de mobilidade.
“Esse foi o primeiro dia de protesto. Desde logo, não houve uma reunião para as pessoas entenderem o que seria o túnel, o que faria e exatamente os lugares que serão removidos. A gente sabe, olhando os projetos, que toda a comunidade acaba sendo removida. Mas isso foi uma coisa que a gente descobriu por conta própria, a prefeitura não mostrou isso”, emenda de Paula.
Segundo o urbanista, esta semana, pela primeira vez, a Secretaria Municipal de Habitação se reuniu com os moradores das duas comunidades. Na oportunidade, a pasta afirmou que foi informada da obra há pouco tempo e que pretendia fazer um cadastro das famílias para calcular e prometer a elas indenizações.
“Só que, ou as pessoas recebem indenização, e aí a prefeitura considera o problema resolvido, ou as pessoas recebem um auxílio-aluguel para permanecer em uma fileira para conseguir moradia. O problema é: para as pessoas morarem, tem fileira e, para o túnel, não precisa esperar zero. Não tem unidade habitacional onde possam ir. De qualquer forma, essas pessoas não teriam condições de continuar morando na Vila Mariana”, observa Lucian de Paula. Para ele, a prefeitura está fazendo uma política higienista de expulsar essas pessoas do sítio.
Residente da Comunidade Souza Ramos, Eduardo Canejo se diz apavorado com a situação em que se encontra. “Há dois meses, a prefeitura mandou uma companhia que contrataram para fazer o levantamento com alguns moradores para regularização. Não era para remoção, era para regularização. E, paralelo a isso, seguiram com o projeto de obra”, desabafa.
Para o arquiteto, embora autoridades do poder público uma vez que parlamentares e o MP estejam tentando ajudar, o alcance das ações que movem não assegura de maneira imediata e definitiva a permanência e a segurança das famílias. “Houve uma recomendação para paralisar a obra, mas é uma recomendação, não chega a ser efetivo. Isso assusta, porque as máquinas continuam trabalhando”, diz, comentando que ter amigos e familiares a quem recorrer para ter um teto temporário não atenua seu desespero, porque “o problema não é onde dormir, e sim onde ajustar”.
Famílias
Segundo a presidenta da associação dos moradores da Vila Mariana, Eliana Barcelos, pelo menos três casas já foram destruídas pela enchente que atingiu as comunidades nos últimos dias, depois a prefeitura arrancar diversas árvores do galeria virente defendido pela população sítio, que conecta os parques Ibirapuera e da Aclimação.
A possibilidade de ter alagamentos também foi lembrada pelo MP uma vez que uma preocupação e uma situação que a prefeitura poderia evitar. “Não estamos em qualquer momento, estamos enfrentando mudanças climáticas”, afirma.
No dia 17 de outubro, a Plenário Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) realizou uma reunião com entidades e moradores, em que a taxa foi o Multíplice Viário da Sena Madureira. Os parlamentares Paulo Fiorilo e Donato, ambos do PT, e Carlos Giannazi e Mônica Seixas do Movimento Pretas, do PSOL, estiveram presentes. Na ocasião, Donato apontou a incongruência da obra em relação ao Projecto Diretor do município.
De harmonia com a prefeitura, o projeto é formado por dois túneis, que totalizam 1.651 metros de extensão. O objetivo do túnel é interligar a Avenida Ricardo Jafet aos complexos viários João Saad e Túnel Jânio Quadros, possibilitando deslocamentos entre as regiões da Vila Mariana, Ipiranga, Itaim Bibi e Morumbi. A previsão é de que a obra seja entregue até setembro de 2025.
*Com informação da dependência de notícias da Alesp.