O verso da cantiga Chico Preto, dos compositores João Nogueira e Paulo Cesar Pinho, já dizia: “a tua história um dia vai virar cordel”. E a partir deste sábado (2), qualquer pessoa que passar pelo Museu da Língua Portuguesa, na região da Luz, na capital paulista, poderá se deparar com uma exposição que conta a história de 21 pessoas por meio da literatura de cordel.
Chamada de Vidas em Cordel, a exposição celebra a tradição vocal, a verso popular e a ancestralidade e é uma realização do Museu da Língua Portuguesa com o Museu da Pessoa, espaço virtual e colaborativo que se dedica, há 30 anos, a registrar, preservar e disseminar histórias de vida. A curadoria é do poeta e cordelista Jonas Samaúma, do cordelista e pesquisador do folclore brasílico Marco Haurélio, e da xilogravadora Lucélia Borges.
Entre as personalidades que tiveram suas histórias cordelizadas e que estão retratadas na mostra estão o jornalista Gilberto Dimenstein e o líder indígena e imortal da Ateneu Brasileira de Letras, Ailton Krenak. Mas há também nomes menos conhecidos, de pessoas comuns, que também tiveram trabalhos relevantes ao país.
A mostra chega a São Paulo depois de passar por Pernambuco, Bahia e Minas Gerais. Em São Paulo, ela ganhou três histórias inéditas, de personalidades que desenvolveram trabalhos de impacto na região da Luz, onde o Museu da Língua Portuguesa está inserido.
Histórias
Uma dessas três personalidades é César Vieira, pseudônimo de Idibal Matto Pivetta (1931-2023), que, uma vez que jurisconsulto, teve uma atuação importante na resguardo de presos políticos durante a ditadura militar no Brasil. Ele também foi um dos fundadores do grupo Teatro Popular União e Olho Vivo, pioneiro na utilização de processos de geração coletiva. Perseguido pela exprobação do regime militar, passou a assinar suas peças uma vez que César Vieira.
“Para mim, ele sempre vai ser um ser humano incrível: uma pessoa de um coração muito grande. Por uma urgência do país, ele viu que era necessário se juntar a outras pessoas para trocar experiências, aprender e poder também edificar um país mais justo. Ele se formou em recta e jornalismo e também era dramaturgo. Ele foi fundador do Teatro Popular União e Olho Vivo, que é um grupo que há 75 anos faz essa troca de experiência nos bairros populares da capital”, explicou seu fruto, Lucas Cesar Pizzetta.
Cesinha, uma vez que ele é mais publicado por herdar o pseudônimo do pai, contou que foi convidado pelo Museu da Pessoa e do Museu da Língua Portuguesa para descrever essa história. “Acho que é fundamental esse tipo de iniciativa que contribui para descrever a história da cultura popular brasileira. Principalmente hoje, quando vivemos em um momento de dominação tão grande da cultura estrangeira. Precisamos descrever essas histórias de uma forma agregada, relacionando esses temas para entender o contexto do país”, disse ele, em entrevista à Sucursal Brasil.
A história do pai de Cesinha foi cordelizada pela poeta Maria Celma. O cordel, que pode ser retirado gratuitamente na exposição ou ser visualizado por meio do site, inicia essa história pelos seguintes versos: “Falar de Idibal Pivetta. Requer bom siso e coragem. Varão de muitas facetas. E de uma imensa bagagem. Marcou a história das gentes. Porquê responsável e personagem”.
À reportagem, Maria Celma contou que, para iniciar o cordel sobre Idibal, ela começou a consultar sua biografia, assistindo entrevistas e lendo muitos trabalhos publicados sobre ele. “E aí eu me apaixonei pelos feitos, pela pessoa, pelo humano, pelo social dele. Além de prazeroso, foi uma experiência enriquecedora redigir sobre ele. Isso me enriqueceu uma vez que pessoa, uma vez que cidadã, uma vez que brasileira”, disse ela.
Além da história de Pivetta, as outras histórias inéditas cordelizadas para a mostra foram a de Cleone Santos, uma mineira de Juiz de Fora que criou o Coletivo Mulheres da Luz, que oferece escora e dá visibilidade às mulheres em situação de prostituição; e do rapper MC Kawex, que viveu por 20 anos na chamada Cracolândia, sendo uma voz ativa na região.
“Trazer a exposição para São Paulo abriu uma porta grande para que a gente pudesse também trazer a história de pessoas que estão cá, digamos, na nossa vizinhança, no nosso território”, falou Camila Aderaldo, coordenadora do Meio de Referência do Museu da Língua Portuguesa. “Conseguimos reunir três nomes para criar essa mostra. Organizar e colocar a história dessas pessoas em literatura é quase uma maneira de fazê-las ainda presentes. E isso é muito poderoso”, acrescentou.
Para Karen Worcman, fundadora e curadora do Museu da Pessoa, a exposição é uma grande celebração da língua portuguesa. Outrossim, ela expande o nosso concepção de construção de memória do país. “A teoria básica do Museu da Pessoa é fazer com que a história de cada pessoa se torne um objeto de museu. O museu tem uma vez que objetivo promover uma mudança, uma democratização da memória social, ampliar o jeito que a gente conta a nossa história na sociedade”.
Todas as histórias que estão sendo apresentadas nesta exposição em São Paulo foram incluídas no pilha do Museu da Pessoa. Inclusive as que serão contadas pelo próprio público.
Cabine
Essa exposição não é feita só de histórias apresentadas em painéis e em cordéis que podem ser retirados de forma gratuita no museu. Há também uma cabine interativa, onde os visitantes poderão gravar seus próprios depoimentos.
“O Museu da Pessoa, que é sempre colaborativo, traz sempre uma cabine de histórias de vida. Toda vida dá um cordel. Toda vida é segmento de um museu. Logo a pessoa que vem tem a possibilidade de gravar a sua história e integrar o pilha do museu – e de forma gratuita”, contou Karen Worcman.
Todos esses depoimentos do público vão depois integrar o acervo digital do Museu da Pessoa .
Cordel
O cordel surgiu em um tempo onde não havia rádio, internet ou TV e poucos sabiam ler. Para saber as histórias, as pessoas saíam às ruas para ouvir os artistas populares que narravam, em forma de versos, os acontecimentos da região. Até que surgiram as técnicas baratas de sentimento e essas histórias começaram a ser reproduzidas em pequenos livros que se propagaram pela Europa.
Quando chegou ao Brasil, isso ganhou uma linguagem própria, com humor, críticas e capas ilustradas com xilogravuras, técnica que consiste em entalhar em pedaços de madeira imagens de cume e grave relevo que depois receberão camadas de tinta e serão reproduzidas em papel, uma vez que uma espécie de selo.
“A literatura de cordel, enquanto gênero, enquanto cultura, enquanto história, tem uma força enorme para todos os brasileiros. Esse projeto de exposição, além de bonito, é importantíssimo do ponto de vista sócio-cultural. Esse projeto é realmente uma ação de salvaguarda da literatura de cordel”, disse a cordelista Maria Celma.
Desde 2018, a literatura de cordel e seus bens associados, uma vez que a xilogravura, são reconhecidos uma vez que patrimônio cultural e intangível brasílico pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Vernáculo (Iphan).
Mostra
A exposição está sendo apresentada no Saguão B do museu e tem ingresso gratuita. Ela ficará em papeleta até fevereiro do próximo ano.
As histórias que estão em exposição poderão ser acessadas também de forma virtual, por meio do site Nesse teor online também está disponível o livreto Vidas em Cordel para Educadores, um material educativo e gratuito voltado para professores e que pode ser utilizado em atividades educativas.