Novidade exposição no Museu do Ipiranga, localizado na capital paulista, aborda emergência climática e dá visibilidade ao processo de degradação ambiental e social ao longo do desenvolvimento do Brasil. A mostra Onde há fumaça: arte e emergência climática, que será ensejo nesta terça-feira (5), propõe diálogo entre peças do pilha e obras contemporâneas, questionando o protótipo de progresso do país.
Segundo o curador Vítor Lagoeiro, a exposição se propõe a olhar para o pilha do museu e entender porquê aquelas imagens já dão alguns indícios de porquê o país chegou ao cenário atual. “Muito do que a gente tem ali no museu são imagens que celebram uma forma de ocupação do território que foi muito pautada pelo latifúndio, trabalho servo e pela monocultura. Estes são três pilares que contribuem para inaugurar a degradação ambiental que acontece no Brasil há tantos séculos”, disse à Dependência Brasil.
Lagoeiro ressalta que o nome da exposição foi uma coincidência em relação às queimadas que atingiram o país neste ano. Na verdade, a origem do título remonta às situações retratadas nas antigas obras que já apontavam para um desfecho negativo. “O sege de boi puxando os troncos derrubados da floresta [na obra de Pedro Américo] já é um sinal de uma devastação. Oriente é um exemplo muito bom do que foi o nosso manobra curatorial”, afirmou.
“São imagens muito romantizadas e, a princípio, inofensivas, mas, quando a gente começa a adentrar as imagens deste pilha, identifica troncos derrubados, fumaça, latifúndios. A gente começa a entender um pouco as estruturas e os gestos de ruína que estão ali representados”, afirmou.
No início do século 20, quando as imagens do museu foram produzidas, havia excitação com aquele protótipo de progresso, destacou a gerente da Ramificação de Ror e Curadoria do Museu do Ipiranga, Aline Montenegro Magalhães. “As imagens romantizam muito tal tipo de produção porquê uma lanço inescapável desse progresso. E as obras contemporâneas vêm dar uma resposta: olha onde a gente chegou com essas escolhas de desenvolvimento.”
Pinturas e fotografias de artistas que estão no pilha, porquê Benedito Calixto e Henrique Manzo, dialogam com trabalhos de Alice Lara, André Vargas, Bruno Novelli, Davi de Jesus do Promanação, Anderson Kary Bayá, Jaime Lauriano, Luana Vitra, Mabe Bethônico, Roberta Roble, (Se)trato Humana, Uýra Sodoma e Xadalu Tupã Jekupé. A curadoria é do Micrópolis, grupo formado pelos arquitetos e pesquisadores Felipe Carnevalli e Marcela Rosenburg, além de Vítor Lagoeiro, junto à equipe do museu.
Independência e Morte
Uma releitura de Independência ou Morte (1888), de Pedro Américo, obra mais popular do Museu do Ipiranga e presente em livros didáticos, abre a exposição, já apresentando os temas que guiaram a curadoria. Intitulada Independência e Morte (2022), a obra de Jaime Lauriano substitui os símbolos e gestos de heroísmo patriótico por efeitos das tragédias ambientais decorrentes do rompimento recente de barragens de mineração no país, além de usar frases que remetem aos problemas ambientais.
“A limo intoxicada do rompimento das barragens que varre aquela paisagem tem algumas menções que foram muito difundidas no campo político recente na história do Brasil, porquê ‘passa boi, passa boiada’. E também traz alguns elementos que mostram tensionamentos de luta, de movimentos sociais. É porquê se fosse aquela paisagem alguns anos depois, no que aquele projeto de país resultou”, detalhou Vítor Lagoeiro.
De conformidade com o curador, a exposição é bastante diversa em termos de linguagem, com pinturas, fotografias, obras em vídeo, instalações, esculturas, além de arquivos e documentos. “Há também alguns grupos de pesquisadores, ativistas e coletivos [na exposição] que atuam de outra forma, não através da arte. Tem alguns objetos que representam um pouco dessas práticas, porquê os meliponários dos Guarani cá em São Paulo, que são estratégias de restaurar a presença das abelhas no território”, acrescentou.
Ampliação do debate
Para Lagoeiro, essa propriedade propicia a ampliação do debate sobre os assuntos tratados na mostra. O público terá chegada a trabalhos dos pesquisadores Ed Hawkins, pesquisador britânico do clima, instituidor das espirais climáticas e riscas de aquecimento, e Eduardo Góes Neves, arqueólogo brasílio atuante na Amazônia; e dos ativistas, projetos e movimentos sociais Assentamento Terreno Vista, Márcio Verá Mirim, Redes da Maré e Hãmhi Terreno Viva.
Aline Magalhães ressalta que a narrativa do museu é celebrativa e remete aos primeiros anos de funcionamento da unidade, com uma versão hegemônica dos acontecimentos. “Os contrapontos colocados nessa exposição trazem outras vozes e outras histórias, de comunidades quilombolas e indígenas, outras formas de entender e de ocupar o território. Quando se gente coloca o pilha histórico do museu com obras contemporâneas, a gente fortalece a linguagem do contraponto, ampliando as formas de racontar a história e também o olhar crítico sobre essa história.”
Ela lembra que Independência e Morte, de Lauriano, é um quadro produzido no contextura das comemorações do Bicentenário da Independência, justamente quando o quadro de Pedro Américo estava em mais evidência. “A releitura nos traz um olhar bastante preocupante e preocupado com oriente país que completa 200 anos de independência em uma situação de morte. Ele troca ‘ou’ por ‘e’ para criticar as escolhas que, em 200 anos, estão mais contribuindo para uma situação de morte e devastação do que para uma independência.”
Estrutura da mostra
A exposição está dividida em cinco núcleos: Monocultura, que mostra porquê a prática moldou o território brasílio e a relação direta com a escravidão; Pavimentação, que aborda a urbanização do território paulista até a persistência das vidas que resistem nesse contexto; Transbordamentos faz referência a tentativas históricas de controle dos cursos d’chuva e suas consequências; Domesticação evidencia a extinção de espécies porquê um sintoma da emergência climática e Força geológica trata do impacto humano na transformação geológica da terreno, em que as obras registram atividades porquê mineração e desmatamento e os desastres ambientais gerados por elas.
O núcleo Força geológica apresenta também práticas de incentivo à biodiversidade e ao manejo sustentável do solo.
Com ingressão gratuita, a exposição temporária Onde há fumaça: arte e emergência climática fica em papeleta até 28 de fevereiro do próximo ano. O Museu do Ipiranga está localizado na Rua dos Patriotas, 100.