O desempenho do Partido Republicano nas eleições estadunidenses deste ano surpreendeu segmento dos analistas e especialistas brasileiros que acompanham o dia a dia da política e da economia da maior potência econômica mundial.
Além de Donald Trump ter superado, com folga, a candidata democrata Kamala Harris na disputa pela presidência dos Estados Unidos, os republicanos já conquistaram a maioria dos assentos no Senado, que, atualmente, é controlado pelos democratas. E caminham para assumir também o comando da Câmara dos Deputados.
Se a vitória na Câmara se confirmar, Trump, que já presidiu os Estados Unidos entre 2017 e 2021, chegará à Morada Branca contando com uma maioria de congressistas que, em tese, estarão mais dispostos a ajudá-lo a satisfazer suas promessas de campanha. Situação que o próprio Trump, ao discursar logo em seguida a divulgação dos primeiros resultados apontando sua vitória, classificou uma vez que um “procuração sem precedentes”.
“O vestuário de o Trump ter ganhado não é surpresa. No mercado financeiro, em privado no norte-americano, havia mais apostas neste sentido. Ainda assim, a expectativa era de que as eleições seriam mais apertadas e, neste sentido, o resultado [geral] sim, surpreendeu”, disse à Escritório Brasil o economista-chefe da empresa de tecnologia financeira Nomad, Danilo Igliori, classificando o resultado das urnas uma vez que “uma vitória maiúscula e irrefutável” dos republicanos.
Para Igliori, com o resultado, Trump deve encetar sua gestão enfrentando menos resistências à implementação de suas propostas de campanha.
“Conquistando, junto, o Congresso, o Trump terá condições de revalidar sua agenda mais facilmente. A questão é o quanto as propostas de tom mais visceral, invasivo, disruptivo, vão, de vestuário, se materializar nas políticas reais”, ponderou o economista, lembrando que, via de regra, encerrada a disputa eleitoral, é hora dos eleitos adotarem uma conduta mais pragmática.
“Mas acho que o mundo, com o Trump [na presidência dos EUA], é um mundo com mais risco, no qual tendemos a reafirmar um contexto que já é de bastante incerteza. Embora eu ache que os principais vetores não serão fundamentalmente impactados pelo Trump, já que há um fenômeno maior, que é economia [global] que vem emergindo em seguida a pandemia [da covid-19]”, acrescentou o economista, referindo-se a rearranjos das cadeias globais de transacção, entre outros fenômenos.
“O principal deles, a meu ver, é uma redução no nível de globalização. Acho que o meio da proposta do Trump, expressa no slogan Make America Great Again [Tornar a América Grande Outra Vez], sinaliza para os Estados Unidos mais solitário, menos inserido nos fluxos globais de transacção e atividade. O que [se acontecer] vai gerar uma série de desdobramentos para as outras nações. Começando pelos impactos da política tarifária e da menor boa vontade para acordos multilaterais e bilaterais”, apontou o economista.
“Para o Brasil, o cenário tende a permanecer muito mais multíplice, já que o relacionamento com os Estados Unidos é bastante relevante para nós. Embora isso também possa perfazer gerando oportunidades, particularmente no relacionamento brasílico com a China. Porque se os Estados Unidos restringirem suas relações com a China, ela certamente vai procurar privilegiar outros parceiros.
Seletividade
Para o professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador do Instituto Pátrio de Estudos sobre os EUA (Ineu), Roberto Goulart Menezes, Trump não é exatamente um político isolacionista.
“Ele tende a uma abordagem que não é [só] dele. O [ex-presidente republicano] George Bush já a adotou no pretérito. Uma vez que também o [ex-presidente democrata] Bill Clinton em visível momento. É uma política de interesse pátrio seletivo. Segundo a qual os Estados Unidos admitem que nem todos os temas [globais] os interessam e que há assuntos dos quais outros [países] podem cuidar melhor”, ponderou Goulart, frisando que, paralelamente a isso, Trump considera que, nos últimos tempos, organismos multilaterais uma vez que a Organização Mundial do Negócio (OMC) vem regularmente contrariando aos principais interesses estadunidenses.
“Logo, para ele, se os Estados Unidos não têm capacidade de reformar essas instituições para que contemplem seus interesses, é o caso de adotar uma atitude brusca em relação a essas instituições. Caso da OMC, de quem órgão de soluções de controvérsia está paralisado desde 2019 justamente porque os Estados Unidos não concordaram em renovar os árbitros – um tanto que começou no primeiro governo Bush e que foi mantido na gestão [do democrata e atual presidente] Joe Biden”, lembrou o pesquisador, para quem há “pontos de contato” entre a ação democrata e republicana na resguardo dos interesses dos Estados Unidos.
“Desde o governo Clinton, os Estados Unidos vêm tentando reconstruir sua supremacia política e econômica global – a militar já está consolidada. O Trump também tem isso em seu horizonte. E, para isso, ele adota essa estratégia do interesse pátrio seletivo. De forma que os Estados Unidos não vão disputar toda globo dividida”, acrescentou Goulart, que também se disse surpreso com o desempenho dos republicanos nas urnas.
“Primeiro porque as pesquisas apontavam para uma disputa voto a voto [entre Trump e Kamala Harris]. Depois, pela própria trajetória do ex-presidente, que enfrenta processos na Justiça e a consequente exposição midiática negativa. O resultado mostrou tanto que Trump e sua fileira política detém o controle hegemônico do partido, quanto que sua política sobreviveu na memória dos eleitores, mesmo os dados econômicos do governo Biden, agora, serem bons”, avaliou o professor, destacando que, no último período, a inflação solene caiu e o nível do serviço formal melhorou, embora o dispêndio de vida penalize os consumidores.
Na avaliação do pesquisador, com maioria no Congresso, Trump tentará implementar, já no primeiro ano de governo, mudanças nas leis trabalhistas e de imigração, entre outras medidas que reduzam as despesas do Estado. Aliás, sua vitória deve fortalecer a extrema-direita em todo o mundo, com prováveis consequências para as próximas eleições brasileiras.
“Talvez o Trump não consiga fazer tudo, mas com maioria no Senado e na Câmara, há grandes chances de ele conseguir revalidar seus projetos, sem grande resistência. Em 2025, a política externa deve se concentrar em três grandes temas: a guerra entre Ucrânia e Rússia; o conflito no Oriente Médio e a relação dos EUA com a China. Para o Brasil, resta redobrar o pragmatismo e, se necessário, emendar a rota de sua política externa a termo de contornar eventuais dificuldades que os Estados Unidos venham a colocar em termos comerciais, principalmente”, concluiu Goulart.