Em uma rua arborizada e pouco movimentada no bairro de Campo Grande, na zona oeste do Rio de Janeiro, escutam-se somente latidos altos. Um juvenil tímido aguarda em frente ao portão desobstruído da vivenda de número 4. Uma mulher vem logo em seguida e diz “meu nome é Bruna Campos, tenho 35 anos e sou mãe do Thalysson desde abril, quando o conheci”, apresentando-se à reportagem. Antes de ser adotado, Thalysson Barbosa, de 14 anos de idade, era um dos mais de 5 milénio jovens à espera de uma família no Brasil, conforme os dados do Sistema Vernáculo de Adoção e Protecção do Juízo Vernáculo de Justiça (CNJ).
Em entrevista à Dependência Brasil, Bruna relembra que ela e seu marido, Marlon Barbosa, estavam em processo de habilitação para adoção há muro de um ano, quando conheceram Thalysson, a partir do Grupo de Apoio à Adoção Cores da Adoção (GAA Cores).
“Quando entramos para o grupo, não tínhamos ainda uma noção do perfil que queríamos, mas o Cores fala muito sobre flutuação e apresenta várias possibilidades. Aumentamos portanto o nosso perfil e colocamos até adoção tardia”, explica.
Por indicação do grupo, o parelha passou a seguir os perfis para adoção divulgados pela Procura Ativa, o que mudou completamente a trajetória. A Procura Ativa Vernáculo é uma medida adotada recentemente pelo Juízo Vernáculo de Justiça (CNJ) para facilitar a adoção de crianças e adolescentes que não têm o perfil mais desejado pelos cadastrados no Sistema Vernáculo de Adoção e Protecção (SNA). Por meio dela, pessoas e famílias cadastradas para adoção conseguem localizar informações pessoais, fotos e vídeos de crianças e adolescentes que enfrentam dificuldades para serem adotados. De concórdia com o CNJ, levante ano, 307 das 3.409 adoções foram por procura ativa, o que representa muro de 9% de todas as adoções realizadas nesse período.
“Um dia, colocaram a foto do Thalysson no grupo, aí mostrei para o meu marido e decidimos ir conhecê-lo. Falamos com a psicóloga da 1ª Vara [da Infância, da Juventude e do Idoso] para saber um pouco sobre a história dele e, no dia 16 de abril deste ano, fomos visitá-lo no Abrigo Dom Hélder Câmara, no núcleo da cidade”, conta Bruna Campos.
O processo de aproximação começou logo em seguida. Por um mês, Bruna e Marlon iam uma vez por semana, aos sábados, até ao abrigo no bairro do Estácio para visitar Thalysson. Depois, receberam permissão para levá-lo para passear, sem ainda poderem levá-lo para vivenda. Com o tempo, Thalysson teve autorização para passar o final de semana com o parelha, voltando aos domingos. Em julho, vieram as férias da escola e ele pôde passar uma semana com o parelha, aumentando a aproximação. Depois de mais um mês, veio a audiência na justiça e a guarda de Thalysson.
“Temos a guarda, mas a certificado dele ainda não consta com os nossos nomes”, explica Bruna. “Não consigo imaginar a minha família dissemelhante dessa feitio que está agora. Eu romantizava muito, assim porquê todo mundo, que quando conhecesse ele seria paixão à primeira vista, mas não é assim”, acrescenta.
“Quando você passa a realmente conviver, porque paixão é convívio, que realmente vem aquele paixão que é insano. É um paixão contra-senso, desproporcionado, a ponto de eu não conseguir descrever. Hoje, a minha família é perfeita. Eu não consigo mais recordar porquê era sem ele cá”, diz Bruna, prenhe de quatro meses. “Ela [a família] é completa e isso eu só pude ter noção agora, quando meu fruto chegou. Realmente faltava ele o tempo todo cá”.
Perfil
De concórdia com a doutora em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federalista Fluminense (UFF) Lygia Santa Maria Ayres, o perfil principal das crianças inseridas no sistema de adoção são meninos negros, filhos de mães solos e com mais de 5 anos de idade.
“As crianças e os jovens que estão para adoção vêm de famílias vulneráveis e sem espeque das políticas públicas. Eles fazem segmento de uma categoria da população que, infelizmente, está fora do sistema”, observa.
“Normalmente, são mães solo que acabam entregando seus filhos a abrigos porquê forma de proteção”.
Na avaliação da professora, pela falta de infraestrutura e condições emocionais e socioeconômicas, essas mães abrem mão dos seus filhos para poder prometer o sustento deles.
CNJ
Os dados do CNJ confirmam a descrição da professora. Dos 5.049 jovens vinculados para adoção, 2.322 (46%) correspondem ao gênero feminino e 2.725 (54%) ao masculino. A maioria (69,5%) é negra, sendo 2.631 (52,1%) identificados porquê pardos e 877 (17,4%) porquê pretos.
Na Procura Ativa, dos 1.471 crianças e adolescentes, 688 (46,8%) correspondem ao gênero feminino e 783 (53,2%) ao masculino. Assim porquê nos dados gerais, grande segmento dos jovens na Procura Ativa é de negros (72,1%), sendo 770 identificados porquê pardos (52,3%) e 291 porquê pretos (19,8%).
Com relação à idade, 2.005 têm até 10 anos, enquanto 3.039, 10 ou mais. No quadro universal, as maiores faixas etárias são entre 14 anos e 16 anos (864), maior de 16 anos (818) e entre 12 anos e 14 anos (767). Já na Procura Ativa, são 244 crianças com até 10 anos e 1.226 com 10 anos ou mais. Os mesmos grupos se repetem porquê faixas etárias que reúnem a maior quantidade de jovens aptos para adoção, sendo 387 entre 14 anos e 16 anos, 366 com mais de 16 anos e 302 entre 12 anos e 14 anos.
A presença de irmãos pode ser um fator que dificulta a adoção. No quadro universal, 3.085 crianças e adolescentes no sistema de adoção têm pelo menos um irmão, enquanto na Procura Ativa são 894. Também na Procura Ativa são mais expressivas as crianças que apresentam alguma deficiência, seja ela intelectual (26%), física e intelectual (7,8%) ou somente física (1,2%). No totalidade, 725 (14,4%) dos jovens aptos para adoção no país apresentam deficiência intelectual, 221 (4,4%) física e intelectual e 76 (1,5%) somente física.
Pretendentes
No país, há 35.631 pretendentes à adoção. Casais (88,1%) são a maioria, correspondendo a 31.390 milénio. Grande segmento (68,8%) não determina gênero da moçoilo que desejam adotar, embora 24,1% tenham interesse em adotar uma moça, e 7,1%, um menino. O mesmo ocorre com a etnia aceita: 21.016 não têm preferência, já 12.349 desejam adotar uma moçoilo branca. Outras etnias são menos mencionadas: pardas (10.922), amarela (4.046), preta (3.260) e indígena (2.726).
Quanto à idade, a maioria tem interesse por uma moçoilo com até 8 anos, sendo 11.344 em procura de crianças entre 2 anos a 4 anos; 11.055 entre 4 anos a 6 anos; 6.227 com até 2 anos e 4.884 entre 6 anos a 8 anos. Em relação à quantidade, o percentual de pretendentes diminui conforme o aumento de crianças desejadas: 61,7% aceitam adotar somente uma moçoilo, 35,9% duas e 2,4% duas ou mais. A grande maioria exclui crianças que apresentam qualquer tipo de deficiência e 94,9% dos adotantes, ou 33,81 milénio, estão em procura de um jovem sem qualquer tipo de deficiência.
Desafios
Para a doutora em Psicologia Social Lygia Santa Maria Ayres, além de características específicas, muitos pretendentes buscam crianças com traços físicos semelhantes aos seus, ou bebês com menos de 2 anos de idade.
“O fruto idealizado é geralmente uma moçoilo próxima da sua requisito genética e social. Geralmente, as mães, os pais ou os casais, sejam eles homoafetivos ou heteroafetivos, desejam um fruto que se pareça com eles”, observa.
Crianças que não correspondem a esse perfil acabam passando mais tempo nos abrigos.
A psicóloga constata a procura maior por meninas, apesar da quantidade expressiva de meninos: “Existe essa fantasia de que produzir meninas é mais fácil, de que meninas são mais carinhosas, mais familiares. Esse acaba sendo o grupo de crianças priorizado, de até dois anos e de preferência branca ou parda”, explica.
Diante da preferência dos adotantes, Ayres ressalta que o principal duelo enfrentado pelos jovens no sistema de adoção é mourejar com o sentimento de deserção. “Eles sentem que fizeram alguma coisa errada e que estão sendo punidos por isso. Não entendem muito a situação e, cada vez que uma moçoilo é adotada e eles ficam, aumenta o sentimento de que não são desejados”.
Aos 18 anos de idade, quando atingem a maioridade, esses jovens são desligados do sistema de adoção e forçados a enfrentar a vida. “São adolescentes mal escolarizados, sem grandes perspectivas e que às vezes a família já se distanciou de tal forma que não conseguem mais se integrar. Em alguns casos, você ainda consegue contato com um familiar, mas é muito difícil”, disse.
“Esses jovens são desligados do sistema porque atingiram a maioridade e o Estado acredita que já cumpriu com o seu papel de assistência”, avalia a professora.
A professora defende que prometer políticas públicas de chegada a creches e empregos, permitindo às mães criarem os seus filhos, é uma forma de evitar a entregá-los a abrigos.
* Estagiária sob supervisão de Vinícius Lisboa